Conversão é a mudança voluntária na mente do pecador,
na qual, por um lado, ele dá as costas para o pecado, por outro, se volta para
Cristo. Aquele elemento negativo na conversão, a saber, voltar as costas para o
pecado, denomina-se arrependimento. Este elemento positivo na
conversão, isto é, o encaminhamento para Cristo, chamamos fé.
Os dois elementos da conversão parecem estar na mente de Paulo quando ele
escreve em Rm. 6.11 - “considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para
Deus, em Cristo Jesus”; Cl. 3.3 - “estais mortos e a vossa vida esta escondida
com Cristo em Deus”. Cf. αποστρεφω, em At. 3.26 — “e vos desviasse cada um, das
vossas iniquidades”, com ἐπιστρέφω
em At. 11.21 - “creu
e se converteu ao Senhor”.
a) A conversão
é o lado humano ou aspecto da mudança fundamental que, vista do lado
divino, chamamos regeneração.
É simplesmente a volta do homem. As
Escrituras reconhecem a atividade voluntária da alma humana nesta mudança tão
distintamente como reconhecem a atuação causativa de Deus. Enquanto Deus torna
os homens para si mesmo (Sl. 85.4; Ct 1.4: Jr. 31.18; Lm 5.21), estes são
exortados a que se voltem para Deus (Pv 1.23: Is. 31.6; 59.20; Ez. 14.6; 18.32;
33.9, 11; Jl. 2.12-14). Enquanto Deus é representado como o autor do novo
coração e do novo espírito (Sl. 51.10; Ez. 11.19: 36.26), manda-se aos homens
que façam para si um novo coração e um novo espírito (Ez. 18.31; 2 Co. 7.1; cf
Fp. 2.12,13; Ef. 5.14).
Sl. 85.4 – “Torna-nos a trazer, o Deus da nossa salvação”; Ct 1.4 - “Leva-me
tu, correremos após ti”; Jr. 31.18 - “converte-me e converter-me-ei"; Lm.
5.21 - “Converte-nos, Senhor a ti, e nós nos converteremos”. Pv. 1.23 -
“Convertei-vos pela minha repreensão: eis que abundantemente derramarei sobre
vos o meu espírito”; Is. 31.6 - “Convertei-vos, pois, aquele contra quem os
filhos de Israel se rebelaram”; 59.20 - “E vira um Redentor a Sião e aos que se
desviarem da transgressão em Jacó”; Ez. 14.6 - “Convertei-vos e deixai os
vossos ídolos”; 18.32 - “convertei-vos, pois, e vivei”; 33.9 - “quando tiveres
falado para desviar o ímpio do seu caminho, e ele não se converter do seu
caminho, ele morrerá na sua iniquidade”; 11- “convertei-vos, convertei-vos dos
vossos maus caminhos; pois por que razão morrereis, o casa de Israel”? Jl.
2.12-14 - “Convertei-vos a mim de todo o vosso coração”. Sl. 51.10 - “Cria em
mim, o Deus, um coração puro e renova em mim um espírito reto”; Ez. 11.19 - “E
lhe darei um mesmo coração, e um espírito novo porei dentro deles; e tirarei da
sua carne o coração de pedra e lhes darei um coração de carne”; 36.26 - “E vos
darei um coração novo e porei dentro de vos um espírito novo” .
Ez. 18.31 - “Lançai de vos todas as vossas transgressões com que transgredistes
e criai em vós um coração novo e um espírito novo; pois por que razão
morreríeis o casa de Israel?” 2 Co. 7.1 - “Ora, amados, pois que temos tais
promessas, purifiquemo-nos de toda imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando
a santificação no temor de Deus”; cf. Fp. 2.12,13 - “operai a vossa salvação
com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o
efetuar, segundo a sua boa vontade"; Ef. 5 .1 4 - “Desperta, o tu que
dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecera”.
Quando interrogado sobre o caminho para o céu, o Bispo Wilberforce respondeu:
“Entre na primeira à direita e siga em frente reto”. A conversão de Phillips
Brooks e descrita pelo Prof. Allen, Life, 1.266, como consistindo em resolver
“ser verdadeiro para consigo mesmo, não renunciar coisa alguma que ele sabia
ser boa e ainda sujeitar todas as coisas a obediência a Deus segundo o exemplo
de Cristo: ‘Eis que venho... para fazer, o Deus, a tua vontade’ (Hb. 10.7)”.
b) O duplo método de representação só pode ser explicado quando lembramos que
as forças do homem podem ser impetradas e despertadas pelas forcas divinas, não
só sem destruir a liberdade do homem, mas resultando, pela primeira vez a
verdadeira liberdade. Porque a relação entre a atividade divina e humana não é
de sucessão cronológica, o homem nunca espera a operação de Deus. Se ele nunca
for um regenerado deve sê-lo em um movimento de sua própria vontade e através
da vontade em que ele se volta para Deus sem constrangimento e com tão pouca
consciência da operação de Deus nele como se nenhuma operação de Deus estivesse
envolvida na mudança. Enquanto pregamos, estamos imprimindo no homem as
reivindicações de Deus e os deveres de imediata submissão a Cristo, na certeza
de que os que agem assim reconhecerão subsequentemente a nova e santa atividade
da sua própria vontade devida a uma operação da forca divina neles.
Sl. 110.3 - “O teu povo se apresentara voluntariamente no dia do teu poder”. O
ato de Deus e acompanhado por uma atividade do homem. Dorner: “O ato de Deus
inicia a ação”. Na verdade, há uma mudança original dos gostos e dos
sentimentos do homem e neste homem ela e passiva. Mas este é apenas o primeiro
aspecto da regeneração. No segundo - o aparecimento das forças do homem - a
ação de Deus se faz acompanhar da atividade do homem e a regeneração e apenas o
outro lado da moeda da conversão. Palavra de Lutero: “Na conversão, o homem é
puramente passivo”, o que é verdade sobre a primeira parte da mudança; e aqui,
para Lutero, “conversão” significa “regeneração”. Melanchton se expressa
melhor: “Non est enim coactio, ut voluntas non possit repugnare: trahit Deus,
sed volentem trahit” .
Ver Meyer sobre Rm. 8.14 - “guiados pelo Espirito de Deus” : Diz Meyer:
“A expressão e passiva, apesar de que sem preconceito para com a vontade
humana, como prova o verso 13: ‘se pelo espirito mortificardes as obras do
corpo’”.
Como por um princípio bem conhecido da hidrostática, a água contida num tubo
pequeno pode balançar a de um oceano inteiro, do mesmo modo a vontade do homem
pode balançar a graça de Deus. Como a luz solar sobre a areia nada produz a não
ser que o homem lance a semente e como uma brisa não propulsiona uma embarcação
se o homem não abrir as velas, do mesmo modo, as influências do Espírito de
Deus requerem a atuação humana que opera através delas. O Espírito Santo e
soberano; ele sopra onde ouve. Apesar de haver condições humanas uniformes, não
haverá resultados espirituais uniformes. Frequentemente, os resultados
independem das condições humanas como tais. Esta é a verdade a que Andrew
Fuller deu ênfase. Mas isto não nos impede de dizer que, sempre que o Espírito
de Deus opera na regeneração segue-se uma mudança voluntária no homem a qual
chamamos conversão e que tal mudança é livre e é de tal modo a real operação do
homem como se não houvesse influencia divina sobre ele.
Jesus disse ao homem que tinha a mão ressequida que a estendesse; cabia ao
homem estendê-la e não aguardar que Deus o fizesse. Jesus disse ao paralítico
que tomasse a sua cama e andasse. Cabia ao homem obedecer a ordem, não orar
pedindo a Deus poder para obedecer. Depender totalmente de Deus? Sim, como se
depende totalmente do vento quando se veleja, mas é preciso adequar as velas.
“Operai a vossa salvação” e a primeira exortação dos apóstolos; a seguir vem:
“porque é Deus quem opera em vos” (Fp. 2.12,13); isto significa que a nossa
primeira preocupação o empregar a nossa vontade em obediência; depois
descobriremos que Deus nos antecedeu, preparando-nos para obedecermos.
Mt. 11.12 — “faz-se violência ao Reino dos céus, e pela força se apoderam dele”
. A conversão e como a invasão de um reino. Os homens não devem aguardar o
tempo de Deus, mas agir de uma vez. Não se requer que se façam exercícios
físicos, mas veemente fervor da alma. Wendt, Teaching of Jesus, 2.49-56 - “Não
a injustiça e a violência, mas a enérgica defesa do bem aos que não podem
reivindicar. Não adianta esperar ociosamente ou buscar laboriosamente
apossar-se dele; mas e bom sujeitar-se e retê-lo. É uma dádiva de Deus aos
homens, mas os homens dirigem os seus desejos e vontades para o Reino... . O
homem que veste as roupagens nupciais não aufere a sua parte na festa, contudo,
mostra sua disposição sem que lhe seja permitido participar dela”.
James , Varieties of Religious Experience, 12 - “Os dois principais fenômenos
da religião, dirão eles, são essencialmente os da adolescência e, por isso
sincrônicos ao desenvolvimento da vida sexual. A resposta a isto e fácil: mesmo
que se afirmasse uma sincronia verdadeiramente irrestrita como um fato (o que
não ocorre), o que desperta com a adolescência não e apenas a vida sexual, mas
a mental mais elevada. Então, pode-se estabelecer muito bem a tese de que o
interesse pela mecânica, pela física, pela química, pela logica, peia
fisiologia e pela sociologia, que brota durante os anos da adolescência
juntamente com a poesia e a religião, e também uma perversão do instinto
sexual, o que seria um absurdo. Contudo, se o argumento da sincronia for decisivo,
o que fazer com o fato de que a idade religiosa por excelência parece ser a
avançada quando a maior intensidade da vida sexual já passou?”
c) Porque a palavra ‘conversão’ significa simplesmente ‘volta’, cada vez que o
cristão se volta do pecado, após a primeira vez, pode, em sentido subordinado,
denominar-se conversão (Lc. 22.32). Porque a regeneração não e completa
santificação e a mudança de disposição diretiva não e idêntica a purificação
completa da natureza, tais voltas subsequentes do pecado são consequências
necessárias e evidencias da primeira (cf Jo. 13.10). Mas elas não implicam,
como a primeira, uma mudança na disposição diretiva; ao invés disso são
manifestações de uma disposição já mudada. Como consequência, a conversão
propriamente dita, como a regeneração, que e o outro lado da moeda, pode
ocorrer apenas uma vez. A expressão ‘segunda conversão’, mesmo que não implique
falso conceito radical da natureza da conversão, e enganosa. Preferimos,
portanto, descrever estas experiências subsequentes, não com o termo
‘conversão’, mas com expressões tais como ‘afastamento, abandono, volta,
desprezo, ou transgressão’ e ‘volta para Cristo, renovação da confiança nele’.
E com arrependimento e fé, como elementos da primeira e radical mudança pela qual
a alma entra num estado de salvação, que agimos assim. Lc. 22.31,32 - “Simão,
Simão, eis que Satanás vos pediu para cirandar como trigo. Mas eu roguei por ti
para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma teus
irmãos”; Jo. 13.10 - “Aquele que esta lavado não necessita de lavar senão os
pés, pois no mais todo esta limpo” . Note que Jesus anuncia aqui a necessidade
de uma única regeneração; o que se segue não e a conversão, mas a santificação.
Spurgeon dizia que cria na regeneração, mas não na nova regeneração. Segunda
benção? Sim, e uma quadragésima segunda. Os estágios da vida crista são como o
gelo, a água no estado liquido, o invisível vapor, sucessivos e naturais
resultados do crescimento da temperatura, aparentemente diferentes um do outro,
apesar de que todos formam um mesmo elemento.
Na relação entre os agentes divino e humano, citamos um ponto de vista
diferente da parte de um outro escritor: “Deus decreta empregar os meios que,
em cada caso, são suficientes e que, em certos casos, se prevê serem eficazes.
A ação humana converte um meio suficiente em eficaz. O resultado nem sempre
concorda com os variados empregos dos meios. A forca e toda de Deus. O homem só
tem o poder de resistir. Ha uma influência universal do Espírito, mas as
influencias do Espirito variam nos diferentes casos, quanto as oportunidades
exteriores. O amor a santidade esta entorpecido, mas ainda hesita. O Espirito
Santo o desperta. Quando este amor esta totalmente perdido, vem o pecado contra
o Espirito Santo. Antes da regeneração aparece o desejo da santidade, apreensão
da sua beleza, mas este e subjugado por um maior amor pelo pecado. Se o homem
não se torna rapidamente pior, não e por causa da sua própria ação positiva,
mas só porque ele não resiste como poderia. ‘Eis que estou a porta e bato’. A
princípio Deus conduz através de uma influência resistíveis. Quando o homem se
sujeita, Deus dirige através de uma influencia irresistível. A segunda
influência do Espírito Santo confirma a escolha do cristão. Esta segunda
influência se chama ‘selo’. Não e necessário um intervalo de tempo entre os
dois. A graça proveniente vem em primeiro lugar; a conversão vem depois”.
A este ponto de vista, respondemos que um amor parcial em favor da santidade e
a capacidade de escolhê-lo antes das obras de Deus de um modo eficaz sobre o
coração, parece contradizer os textos bíblicos que afirmam que “a inclinação da
carne e inimizade contra Deus” (Rm. 8.7) e que todas as boas obras resultam da
nova criação de Deus (Ef. 2.10). A conversão não precede a regeneração;
cronologicamente acompanha-a apesar de que logicamente segue-a
fonte: bíblioteca bíblica